José Maria de Eça de Queiroz

(1845-1900)



José Maria de Eça de Queiroz Eça de Queiroz is one of the great representatives of European 19th century fiction and the most famous Portugal’s novelists.
Born in Póvoa de Varzim, near Oporto, he traveled around the world as a consul. In 1888 he became Portuguese consul-general in Paris. He remained in Paris until his death on August 16, 1900. His plays have been translated into many tongues; many of them are in print in English translation. Eça de Queiroz made critiques of the morals of his days in works like "O Crime do Padre Amaro" ("The Crime of Father Amaro") (1876), which was lately adapted into an Oscar-nominated Mexican film, "Os Maias" ("The Maias") (1878) are marked by ironic descriptions of corruption among the clergy and in high society, and "O Primo Basílio" ("Cousin Bazilis") (1878).
Many editions of his works appear as “Eça de Queiroz”.


Os Maias

Episódios Da Vida Romântica


Capítulo I


Acasa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono
de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de
Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete,
ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de
vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas,
com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro
andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira
do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que
competia a uma edificação do reinado da senhora D. Maria I: com
uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio
de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha decerto de um revestimento
quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do
Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando
um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam
letras e números de uma data.
Longos anos o Ramalhete permanecera desabitado, com teias
de aranha pelas grades dos postigos térreos, e cobrindo-se de tons
de ruína. Em 1858, Monsenhor Buccarini, Núncio de Sua Santidade,
visitara-o com ideia de instalar lá a Nunciatura, seduzido
pela gravidade clerical do edifício e pela paz dormente do bairro: e
o interior do casarão agradara-lhe também, com a sua disposição
apalaçada, os tectos apainelados, as paredes cobertas de frescos
onde já desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos Cupidinhos.
Mas Monsenhor, com os seus hábitos de rico prelado romano,
necessitava na sua vivenda os arvoredos e as águas de um jardim
de luxo e o Ramalhete possuía apenas, ao fundo de um terraço de
tijolo, um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas, com
um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado,
e uma estátua de mármore (onde Monsenhor reconheceu
logo Vénus Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidade
das ramagens silvestres. Além disso, a renda que pediu o velho
Vilaça, procurador dos Maias, pareceu tão exagerada a Monsenhor,
que lhe perguntou sorrindo se ainda julgava a Igreja nos tempos de
Leão X. Vilaça respondeu — que também a nobreza não estava nos
tempos do senhor D. João V. E o Ramalhete continuou desabitado.
Este inútil pardieiro (como lhe chamava Vilaça Júnior, agora, por
morte de seu pai, administrador dos Maias) só veio a servir, nos fins
de 1870, para lá se arrecadarem as mobílias e as louças provenientes
do palacete de família em Benfica, morada quase histórica, que,
depois de andar anos em praça, fora então comprada por um comendador
brasileiro. Nessa ocasião vendera-se outra propriedade dos
Maias, a Tojeira; e algumas raras pessoas que em Lisboa ainda se
lembravam dos Maias, e sabiam que desde a Regeneração eles viviam
retirados na sua quinta de Santa Olávia, nas margens do Douro,
tinham perguntado a Vilaça se essa gente estava atrapalhada.
— Ainda têm um pedaço de pão — disse Vilaça sorrindo — e a
manteiga para lhe barrar por cima.
Os Maias eram uma antiga família da Beira, sempre pouco
numerosa, sem linhas colaterais, sem parentelas — e agora reduzida
a dois varões, o senhor da casa, Afonso da Maia, um velho já, quase
um antepassado, mais idoso que o século, e seu neto Carlos que estudava
medicina em Coimbra. Quando Afonso se retirara definitivamente
para Santa Olávia, o rendimento da casa excedia já cinquenta
mil cruzados: mas desde então tinham-se acumulado as economias
de vinte anos de aldeia; viera também a herança de um último
parente, Sebastião da Maia, que desde 1830 vivia em Nápoles, só
ocupando-se de numismática: — e o procurador podia certamente
sorrir com segurança quando falava dos Maias e da sua fatia de pão.