Fernando Pessoa


(1888 - 1935)



Fernando Pessoa Fernando António Nogueira Pessoa was a renowned Portuguese poet; he has been recognized as one of the greatest Modernist poets, critics as Martin Seymour-Smith and Allen Bloom referred to him as the most representative poet of his time.
He earliest used heteronyms, where he wrote in diverse styles as if he were more than one poet and he wrote under 73 different names. Four of these (his own, Alberto Caerio, Ricardo Reis, and Álvaro de Campos) are well known. Each of these writers has his own supposed biography, physical characteristics, connection to the others, poetic voice, and outlook, and in part reveals Pessoa's incredulity in the idea of an integrated personality. Among Pessoa's works, which comprise poems in English, are Sonnets (1918), English Poems (1922), and he also created the enigmatic volume of poems entitled Mensagem (1934), which largely transcends the simple glorification of the mythical Portuguese past.


Mensagem

A Primeira Parte - Brasão


I - Os Campos

Primeiro - O dos Castelos
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal, O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.


Segundo - O das Quinas
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!

Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.


II. Os castelos

Primeiro / Ulisses
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundála decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Segundo / Viriato
Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instinto teu.
Nação porque reencarnaste,
Povo porque ressuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste -
Assim se Portugal formou.
Teu ser é como aquela fria
Luz que precede a madrugada,
E é ja o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.

Terceiro / o Conde d. Henrioue
Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
A espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.

Quarto / d. Tareja
As naçôes todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios,
Vela por nós!
Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!
Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.
Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

Quinto / d. Afonso Henriques
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dános o exemplo inteiro
E a tua inteira força!
Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como benção!

Sexto / d. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

Sétimo (i) / d. João o Primeiro
O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.
Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.
Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.

Setimo (ii) / d. Filipa de Lencastre
Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?
Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!